Vigilantes da liberdade

Artigos | 04/12/2023

Paola Coser Magnani, Vice-presidente do IEE

A rotina do dia a dia nos transformou em máquinas de concluir atividades, mesmo que algumas sejam entregues somente sob pressão. Arrumar a cama, enviar aquele e-mail atrasado, pagar o boleto do condomínio, marcar aquele médico necessário estão entre os afazeres que normalmente desejamos eliminar o quanto antes da lista. A correria de uma vida de trabalho nos torna pessoas eficientes. Ou cumprimos o prometido ou, quando percebemos, já se passou tempo demais.

Ao mesmo tempo em que corremos de um lado a outro, não sabemos lidar com as incertezas constantes deste mundo agitado e imprevisível. Que alívio seria se achássemos uma aplicação financeira que sempre rendesse o esperado, um plano de aposentadoria que não precisasse de alterações ou até mesmo um veículo que não necessitasse de manutenção. Nos agarramos à ideia de que temos certeza sobre muitas coisas, pois saber conviver com o imponderável é doloroso demais.

O ser humano não sabe conviver com o incerto, é angustiante demais o pensamento de que algo subitamente pode acontecer e modificar tudo. Por isso, controlamos a nossa agenda, programamos a rotina e fazemos um planejamento das férias no futuro, justamente por acharmos que temos algum controle sobre o destino, o que gera uma sensação de segurança.

Já a ideia de liberdade é um conceito amplo que não pode ser colocado e tirado de uma simples lista de afazeres. Em termos gerais, a liberdade se refere à capacidade de agir, escolher ou pensar de acordo com a própria vontade, sem restrições excessivas ou coerção. Aos defensores da liberdade, sinto lhes informar que não há uma conclusão da tarefa. As lutas pela liberdade são constantes.

Além disso, não há controle sobre a pauta. Neste momento, podemos estar lutando contra a censura e daqui a um instante contra o abuso de poder do Judiciário. Que alívio seria para a humanidade se pudéssemos resolver as questões, riscá-las da lista de tarefas e tirá-las de nossa vigilância, fazendo brotar um sentimento de que as incertezas acabaram. Infelizmente, sonhos muitas vezes se confundem com ilusões.

Poderia dizer que no Brasil a vigilância é ainda mais exigida, porém, percebemos, em nível mundial, que a definição de liberdade cada vez mais parece uma pós-verdade. Temos um sério problema de definir conceitos que no passado pareciam básicos e imutáveis. Parece que poucos têm percebido a questão, já que os críticos do pensamento comum simplesmente desapareceram.

Em sociedades nas quais o consumo de conteúdo se tornou imediatista, provavelmente este texto foi lido somente até a metade. Nos desacostumamos a parar e refletir sobre o que está diante dos nossos olhos nas telas dos celulares. Lemos, ouvimos e enxergamos opiniões constantemente, porém, não temos tempo de pensar sobre cada ponto exposto. Apenas clicamos.

Por isso mesmo, devemos ter os conceitos de liberdade muito bem definidos. Um bem tão valioso é extremamente fácil de ser adulterado, e devemos saber fugir das armadilhas da pós-verdade. Não existe meia liberdade, apenas uma única liberdade, seja ela qual for. Como disse Thomas Jefferson: o preço da liberdade é a eterna vigilância. Não há sensação de dever cumprido para os que defendem um valor tão precioso. Ele precisa estar sempre na lista.

 
Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio em 30/11/2023

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