Tragédia não é pretexto

Artigos | 13/06/2024

Domingos Lopes, Diretor de Eventos do IEE

Não restam dúvidas de que estamos vivendo uma das piores tragédias da história do estado, isso não é novidade para nenhum gaúcho. Meu intuito não é apresentar novamente as estimativas estrondosas de impacto financeiro e humano das enchentes. Basta abrir os noticiários para nos depararmos com cenas chocantes e números cujos dígitos mal conseguimos quantificar.

Pretendo chamar atenção para o fato de que, por mais difícil que seja, é nesses momentos turbulentos que a sociedade civil deve ponderar ainda mais cuidadosamente as narrativas públicas. As autoridades, em frente à pressão política e à ansiedade social, começam a justificar suas ações e prometer soluções sem evidências concretas dos impactos, fato que, em última instância, prejudica aqueles a quem pretendem ajudar.

Primeiramente, embora as enchentes tenham causado danos significativos, não podem ser usadas como justificativa determinante para um dispêndio financeiro descontrolado. O Rio Grande do Sul, que já opera sob regime de recuperação fiscal desde 2022, não pode prometer subsídio irrestrito dos bens perdidos, pois isso agravaria ainda mais as futuras pressões econômicas. Não minimizo a influência dos eventos recentes nas contas públicas, porém, é vital que não se utilizem dessas calamidades para ocultar problemas estruturais da gestão governamental.

Outro exemplo preocupante é a decisão do governo federal de importar grandes quantidades de arroz com base em um cenário hipotético de desabastecimento. Segundo o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), 84% da área plantada do estado foi efetivamente colhida antes do início das chuvas, e a quebra de safra foi mínima, estimada em irrisório 1,23%. Os dados comprovam que a importação do arroz não só é desnecessária como também é uma intervenção imprudente, a qual prejudica a atividade econômica ao desconsiderar a realidade produtiva do estado.

Mesmo diante das narrativas correntes, nossa atenção deve estar voltada para a realidade objetiva. É fundamental que o governo adote uma postura de eficiência fiscal, mesmo diante da calamidade. As despesas públicas devem ser gerenciadas para evitar que os gastos ineficientes resultem em inflação futura, agravando ainda mais a situação econômica da população. Adicionalmente, em vez de inundar o mercado com produtos importados, o governo deveria propor medidas que propiciem a reestruturação empresarial. Uma iniciativa válida seria recriar as soluções bem-sucedidas da pandemia: flexibilização da jornada de trabalho e redução dos tributos federais (PIS, Cofins, IRPJ e CSLL) para os setores atingidos.

Portanto, apesar da gravidade da situação, essa tragédia não pode ser utilizada como pretexto para qualquer medida pública arbitrária. Mesmo diante do ímpeto de ajudar, devemos ser prudentes. Eis, então, o meu apelo: é crucial que a sociedade não aceite as narrativas de intervenções do poder público sem questionamento, mas analise os fatos atentamente, dado que as consequências dessas resoluções costumam ser ainda mais custosas à população.

 

Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio em 13/06/2024

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