Silvio Santos: a morte do último barão de Mauá

Artigos | 29/08/2024

Gustavo Fernandes, advogado e associado do IEE

Recentemente, o Brasil perdeu um de seus maiores ícones. A voz, a irreverência e o sentimento de normalidade que assistir ao Silvio Santos transmitia ao brasileiro dificilmente encontrarão paralelo em um futuro próximo. Silvio entendia bem o Brasil, com todas as suas inconsistências e contradições. Era um homem rico que queria falar com os mais pobres, um conservador que não queria brigar com o progresso da sociedade e, acima de tudo, era uma pessoa que não tinha medo de falar – e fazer – o que pensava, ao mesmo tempo em que não hesitava em pedir perdão ao notar que havia ferido o sentimento de alguém.

Essa postura, típica de quem começou a vida no comércio como camelô, é um dos elementos que o tornaram um empreendedor em série e um símbolo do capitalismo brasileiro. Se você reparar, boa parte dos empresários de sucesso com mais de trinta anos de idade menciona Silvio Santos como uma figura ímpar do empresariado brasileiro.
Amado pelos seus funcionários, Silvio ocupa o espaço no imaginário contemporâneo que outrora pertenceu a Irineu Evangelista de Sousa, o Barão de Mauá, um grande empresário com capacidade de impor sua visão à realidade, um homem de ação.

A história dos dois se aproxima ao observarmos que ambos, quando confrontados com o risco da ruína por forças alheias a sua ação pessoal, responderam à altura. O Barão liquidou seu patrimônio e pagou todos os seus credores, limpando definitivamente seu nome, ao passo que Silvio Santos deu todos os seus bens em garantia para viabilizar a reestruturação do Banco Panamericano, amenizando inclusive as consequências sociais que adviriam de sua eventual falência. Nenhum dos dois, quando a hora chegou, tirou o corpo fora.

Contudo, diferentemente do Barão de Mauá, Senor Abravanel fazia de tudo para não ser um empresário distante ou inatingível. Até mudou seu nome para ficar mais próximo das pessoas. Seu empreendedorismo, independentemente do ramo – cosméticos, financeiro, construção civil, comunicação e tantos outros – sempre foi marcado pelo atendimento às massas e por uma conexão emocional muito singular, quase familiar, que lhe permitiu entrar na casa de milhares de brasileiros por mais de sessenta anos.

Um exemplo claro dessa conexão foi a manutenção dos desenhos para crianças após a completa destruição desse segmento no formato tradicional de televisão. Após a proibição definitiva das propagandas voltadas ao público infantil, devido a uma série de regras aprovadas desde 1990 até a portaria definitiva do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) de 2014, o financiamento dos desenhos ficou bastante prejudicado, o que levou diversos canais a cortarem esses programas de suas grades. Contudo, Silvio se negou a seguir a manada e disse uma frase que simboliza bem a visão daqueles que se recusam a ter uma visão empresarial limitada às metas trimestrais, ao Ebitda e outros elementos de curto prazo. 

À época, Silvio rebateu as críticas afirmando: “Se quiserem tirar os desenhos da grade depois que eu morrer, fiquem à vontade. Mas, enquanto eu estiver vivo, eles vão continuar. O telespectador do SBT Brasil de hoje era o telespectador do Chaves vinte anos atrás. A criança é o mais fiel dos telespectadores”. Esse comprometimento com uma visão mais ampla do seu papel na sociedade, mais do que mera caridade ou nota de rodapé em apresentação sobre ESG, era o símbolo do capitalismo brasileiro em sua melhor versão. Um capitalismo eminentemente popular, bem-humorado e que acredita no poder da cooperação.

O Barão de Mauá, que insisto em retomar, foi um dos grandes símbolos do combate à escravidão, conhecido por remunerar bem seus funcionários, estimular novas lideranças e prezar seus parceiros comerciais. Silvio não foi diferente. Deu espaço a todos e nos legou uma geração de “filhos” no plano artístico, como Eliana, Celso Portiolli, Rodrigo Faro e tantos outros.

Ao fazer isso, gerou riqueza financeira, mas também nos enriqueceu como nação. Em cada piadinha infame, em cada meme ou gafe, nos tornamos mais brasileiros. Identificamos melhor a nossa irreverência típica, o nosso riso fácil, que são o principal elemento de conquista que temos perante o resto do mundo.

O Barão de Mauá, por meio do seu empreendedorismo, iluminou a cidade do Rio de Janeiro, substituindo o óleo de baleias – principal combustível da época – por lampiões a gás. Senor Abravanel, por sua vez, iluminou sorrisos nas casas brasileiras. Ambos são empresários, porém seus legados transcendem qualquer cifra. São legados do povo brasileiro.

 

Artigo publicado originalmente na Revista Forbes em 29/08/2024

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