Artigos | 19/04/2023
André Marchesi, associado do IEE
O ano é 2095. O mundo já é muito diferente do que estamos acostumados hoje. Os jovens Margareth e Winston, irmãos de um casal homem-mulher (algo não comum para a época), são aficionados por livretos de romance, e pedem a seus pais alguma indicação. Entendem o valor do conhecimento e de estudar o passado para preservar aqueles valores e princípios que levaram a humanidade ao atual estado das coisas, que, se não é perfeito, exigiu muito sangue, suor e sacrifício de seus antepassados.
Seus pais guardavam um livro antigo, escrito no longínquo ano de 2023, que tinha como título outra data, “2058”. O autor, Eric Arthur, um brasileiro escritor, ensaísta e jornalista, descrevia então o que enxergava no cenário político e eleitoral daquele ano, mas colocava em linguagem futura, quase como uma profecia, pois, caso ousasse criticar o regime ultrademocrático em que estava inserido, poderia ele ter sua habilitação de jornalista cancelada. Era assim em toda a América Latina, carinhosamente chamada de “América Vermelha”, por conta da cor que representa o amor, para uns, e o sangue, para tantos outros.
A mídia naquela época, após o presidente de extrema-esquerda assumir o poder em eleições muito disputadas, era regulada e controlada. “Amigos do regime”, como eram tituladas as empresas semiprivadas que recebiam verbas estatais para contribuir com a propaganda partidária dos “vermelhos sul-americanos”, como se intitulavam os da extrema-esquerda latino-americana, eram responsáveis por apagar qualquer crítica e censurar potenciais manchas à imagem dos ultrademocratas.
O autor, então, escreveu em forma de profecia sobre as vésperas da eleição de 2058, em que o partido de extrema-esquerda atacava de todas as formas o suposto partido da extrema-direita, ao qual chamavam “fascistoide”. Sua influência era profundamente arraigada no ambiente institucional do Brasil da época, e conseguia, por meio de juízes amigos indicados ao Iluminado Supremo Tribunal (ex-cabos eleitorais e secretários do partido pouco tempo antes), a cassação de deputado eleitos democraticamente, o fechamento de canais de mídia que ousassem contrariar sua campanha e seu líder, a prisão de jornalistas inimigos da ultrademocracia e até mesmo a censura de reportagens de anos anteriores, em que seu líder teria dito coisas que desagradariam o povo, afinal, sua imagem jamais poderia ser verdadeiramente conhecida.
O motivo de ter começado este artigo com uma metáfora é o atual estado das coisas; quando tratamos de liberdade de expressão no Brasil em 2022, tememos o que dizer, como dizer, e se dizer. Como já bem disse Ronald Reagan: “A liberdade nunca está a mais de uma geração de distância da extinção”. Ataques, à direita e à esquerda, e um visível desequilíbrio institucional regulando opiniões, pautando redações de jornais e canais de mídia, censurando o passado já conhecido de um lado de uma disputa política, claramente enviesando-a e contaminando o processo democrático, são atentados graves contra um pilar básico da democracia: a liberdade de expressão e de pensamento.
Gostaria que a distopia escrita acima fosse interrompida, mas o fato é que ela já está se materializando a olhos vistos. O movimento de censura se diz tão ultrademocrático que, para defender a democracia, ele é capaz de sacrificar tudo, até mesmo a democracia. Cabe a cada um de nós manifestarmos nossa indignação e repúdio por meio do voto.