Robôs humanoides e o futuro da mão de obra

Artigos | 24/10/2024

Pedro Anselmo Zanella Carra, associado do IEE

Nos últimos anos, o avanço da tecnologia tem transformado drasticamente a maneira como vivemos e trabalhamos. Recentemente, a apresentação de robôs humanoides pelo empresário Elon Musk, dono do X, da Tesla, da Starlink e da SpaceX, reacendeu debates sobre o futuro da mão de obra e como os robôs podem, em breve, ocupar funções que antes eram exclusivamente humanas. Esses robôs são capazes de realizar tarefas físicas com eficiência e precisão, prometendo aliviar a escassez de trabalhadores em certos setores. No entanto, por trás dessa inovação, há uma questão inquietante: como essas transformações tecnológicas se relacionam com os problemas na alfabetização e na educação em nossas escolas?

Os robôs humanoides apresentados por Musk e outras empresas de tecnologia avançada são exemplos concretos de como a automação está prestes a ocupar um espaço ainda maior em nossas vidas. Esses robôs são projetados para desempenhar funções que antes dependiam de esforço físico humano, como trabalhos repetitivos em fábricas, operações logísticas e até tarefas no setor de serviços. A promessa é de que essas máquinas possam reduzir custos, aumentar a eficiência e compensar a falta de mão de obra em áreas nas quais há escassez de trabalhadores.

No entanto, a pergunta que surge é: se os robôs forem amplamente adotados para substituir a mão de obra braçal, qual será o destino dos trabalhadores humanos? Em vez de somente eliminar tarefas penosas, o avanço da automação pode desvalorizar ainda mais a importância de habilidades manuais e físicas no mercado de trabalho.

Atualmente, vários setores enfrentam uma significativa falta de trabalhadores braçais. A agricultura, a construção civil e até a logística são áreas nas quais a demanda por trabalhadores é alta, mas a oferta de mão de obra é limitada. Isso se deve a uma série de fatores, sendo o envelhecimento da população o principal deles.

Enquanto os robôs humanoides podem ser vistos como uma solução para esse problema, surge uma preocupação adicional: não estamos apenas criando uma dependência ainda maior da automação em detrimento da formação de novos trabalhadores qualificados? Além disso, muitos desses setores que enfrentam escassez de mão de obra requerem mais do que força física; eles dependem de habilidades cognitivas e resolução de problemas, que, ironicamente, são áreas nas quais nossa educação mais tem falhado.

Aqui entra a questão crítica da educação. O conceito de “analfabetismo funcional” descreve indivíduos que, embora tecnicamente alfabetizados, não conseguem interpretar informações complexas ou realizar tarefas básicas que exijam raciocínio lógico. Em um mundo cada vez mais tecnológico, no qual habilidades cognitivas e analíticas são fundamentais, o analfabetismo funcional torna-se um obstáculo preocupante.

No Brasil, 29% da população é considerada analfabeta funcional. O percentual indica que, apesar da alfabetização básica, muitas pessoas ainda não têm a capacidade de interpretar informações mais complexas ou executar tarefas cognitivas de maior demanda. Esses números se tornam ainda mais alarmantes quando combinados com os resultados do Ideb. Nos anos iniciais do ensino fundamental, o Ideb de 2023 da rede pública foi o mesmo que o de 2019 (5,7). Houve redução no indicador de aprendizagem (6,02 para 5,91), e somente seis estados evoluíram nesse quesito.

Outro fator preocupante é a diminuição acentuada nas matrículas do ensino fundamental em 2023. O índice de alunos de 6 a 14 anos matriculados ficou em 94,6/%, retraindo a níveis anteriores a 2016. A queda ocorreu principalmente nos anos iniciais (6 a 10 anos), que englobam justamente o período de alfabetização. Os dados são da ONG Todos pela Educação.

O cenário foi agravado pela pandemia de covid-19, que causou uma interrupção significativa no processo educacional. Durante o ensino remoto, muitos estudantes de escolas públicas tiveram dificuldade de acompanhar as aulas online, o que resultou em perdas de aprendizado que poderão reverberar por anos.

Esses dados revelam uma grave crise educacional que se reflete diretamente no mercado de trabalho. As inovações tecnológicas exigem uma força de trabalho que seja capaz de operar e gerenciar essas novas máquinas, interpretar dados complexos e tomar decisões baseadas em informações precisas. No entanto, se o sistema educacional não preparar adequadamente os estudantes para esse cenário, o futuro pode estar comprometido.

Os robôs humanoides são um avanço notável que promete revolucionar a maneira como trabalhamos e vivemos. No entanto, ao mesmo tempo, expõem as falhas em nossos sistemas educacionais e na preparação de nossa força de trabalho para o futuro. Não estamos acompanhando as demandas do mercado, cada vez mais sofisticadas.

A solução, então, está não apenas em desenvolver mais robôs ou melhorar a automação, mas também em reformar urgentemente a educação. Sem uma estratégia clara e eficaz para melhorar o sistema educacional, ficamos presos a métodos ineficazes e continuamos a formar jovens que não estão preparados para o futuro. Somente com uma base educacional sólida, focada em habilidades cognitivas e técnicas, seremos capazes de garantir que as próximas gerações não sejam deixadas para trás em um mundo mais automatizado.

Iniciativas que ajudem a melhorar a formação dos estudantes são muito bem-vindas. Por exemplo, um dos projetos de que o Instituto de Estudos Empresariais (IEE) participa é o Professor Voluntário, que tem o intuito de ensinar educação financeira básica e utilização de ferramentas com inteligência artificial em escolas públicas. O futuro do trabalho pode ser brilhante, mas somente se estivermos prontos para ele.

 

Artigo publicado originalmente na Revista Forbes em 24/10/2024

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