Artigos | 05/09/2024
Domingos Lopes, Diretor de Eventos do IEE
A última semana deve ficar marcada na história democrática brasileira. Talvez por vivermos tão intensamente o presente, sem ponderar sobre acontecimentos passados nem a respeito de reflexos futuros, não conseguimos dar a devida magnitude aos fatos recentes.
Mas, às vezes, alguns casos ficam mais claros devido a sua repetição praticamente exaustiva. A suspensão da plataforma X, antigo Twitter, pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal federal (STF), é um exemplo dessa percepção. A decisão tomada por ele parece um degrau lógico de uma escalada autoritária iniciada há poucos anos. A cereja do bolo foi a proibição de acesso à plataforma por qualquer cidadão no País, mesmo via VPN, sob pena de multa de R$ 50 mil. Uma medida que pune quem não tem nada a ver com a questão da briga entre Moraes e o dono do X, Elon Musk, sobre cumprimento de medidas judiciais.
A postura do ministro, ao se colocar acima da Constituição que jurou defender, é não apenas incompatível, mas também frontalmente contrária ao Estado Democrático de Direito, previsto no primeiro artigo da nossa Carta Magna. No entanto, infelizmente, o documento máximo brasileiro virou um mero ponto de partida retórico.
Essa tendência centralizadora não está isolada no espaço-tempo; ela é resultado de uma omissão conceitual muito grave. Enquanto discutimos onde estamos situados no espectro político, esquecemo-nos de nos defender da principal ameaça à sociedade civil organizada: o autoritarismo. Decisões judiciais que ignoram o devido processo legal enfraquecem as garantias democráticas e colocam em risco os direitos fundamentais de todos os cidadãos, independentemente de sua orientação política.
Em uma democracia, o respeito à Constituição, mesmo com suas falhas, e ao Estado de Direito deve ser a prioridade máxima de todas as instituições, incluindo o Supremo Tribunal Federal. Quando decisões judiciais ultrapassam os limites estabelecidos pela própria Constituição, a Justiça deixa de ser um pilar da democracia e se transforma em um instrumento autoritário.
A verdadeira batalha que devemos travar como sociedade civil organizada não é entre ideologias políticas, mas contra o autoritarismo em todas as suas formas. A história nos ensina que a liberdade é frágil e que seu preço foi pago com muito sangue e sacrifício. Abandoná-la ao preço barato da retórica política seria uma traição ao legado daqueles que lutaram por ela. A vigilância deve ser permanente.
Portanto, é essencial que fortaleçamos os pilares do Estado de Direito, assegurando que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário operem de maneira independente, com pesos e contrapesos que previnam abusos de autoridade. A liberdade não se protege sozinha; ela depende de nossa vigilância e de nosso compromisso inabalável com o Estado de Direito.
Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio em 05/09/2024