Artigos | 08/01/2025
Daniela Russowsky Raad, Diretora de Relações Institucionais e Fórum da Liberdade do IEE
Em 2025, o Brasil assume a presidência rotativa do Brics sob o lema “Fortalecendo a Cooperação do Sul Global por uma Governança mais Inclusiva e Sustentável”. Criado em 2009, o grupo – fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e, posteriormente, África do Sul – tem como objetivo fortalecer economias emergentes e promover o diálogo e a cooperação internacional. Contudo, o desafio de tornar suas iniciativas eficazes frente a um cenário global complexo e polarizado levanta questões sobre a capacidade do bloco de implementar soluções ágeis e inovadoras.
Sob a liderança brasileira, o Brics estabeleceu cinco prioridades para o ano: facilitação do comércio e investimento por meio de novos meios de pagamento, governança inclusiva da inteligência artificial (IA), fortalecimento de estruturas de financiamento para enfrentar mudanças climáticas, colaboração em saúde pública no Sul global e fortalecimento institucional do bloco. Esses objetivos refletem desafios gigantescos para os membros do Brics.
O fortalecimento institucional e seu impacto em tecnologias inovadoras, em especial sobre formas de pagamento, são conceitos ambiciosos para um grupo como o Brics, composto por países com sistemas políticos, culturais e econômicos extremamente diversos – e, sobretudo, controversos. A própria estrutura do bloco, que opera sem mecanismos formais de governança centralizada, dificulta a implementação rápida de soluções conjuntas. Eduardo Saboia (embaixador brasileiro e negociador-chefe no grupo) mencionou que, para “construir um mundo melhor, um mundo sustentável, o Brics tem que ser parte dessa construção”, reforçando a importância de que haja um entendimento entre os países-membros para uma atuação internacional mais ampla. Essa é, no mínimo, uma percepção instigante considerando o cenário internacional atual.
No decorrer dos anos, outras nações foram convidadas a se juntar ao Brics, como Argentina, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Logo após assumir a presidência do país, Javier Milei anunciou que a Argentina não integraria o Brics. Na mesma linha, a Arábia Saudita mostrou-se reticente a aceitar o convite oficialmente, considerando suas implicações no cenário internacional.
Esses movimentos não são desprovidos de sentido ou conexão. Composto em sua maioria por países conhecidos por serem comandados por governos autoritários e com restrições de liberdades, o grupo é visto como uma plataforma de fortalecimento de um eixo de totalitarismo e antiocidentalismo no cenário geopolítico internacional.
Com duas grandes guerras em andamento (Ucrânia e Oriente Médio) que conduzem a uma polarização evidente do mundo, os países-membros do Brics são aliados em seu posicionamento antidemocrático. Desde que a Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, o Brics é uma das plataformas para contornar o isolamento imposto pelos Estados Unidos e por países da Europa, mostrando que ainda tem aliados e influência econômica. Por outro lado, o terrorismo mundial é financiado pela República Islâmica do Irã, aliada da Rússia e da China.
Embora o Brasil tenha assumido a presidência com uma agenda ambiciosa, o futuro do Brics não parece promissor. A China, por exemplo, lidera globalmente o desenvolvimento de IA, mas enfrenta críticas pela utilização de tecnologias para vigilância estatal. Enquanto isso, países como o Brasil e a África do Sul enfrentam desafios ainda elementares de infraestrutura e educação que limitam sua capacidade de adoção ampla de soluções tecnológicas. O compromisso com uma governança inclusiva exige não apenas cooperação entre os membros, mas também um diálogo que leve em conta as assimetrias tecnológicas dentro do bloco – realidade bastante distante.
Outra proposta improvável de sucesso é a criação de novos meios de pagamento para reduzir a dependência do dólar, o que mitigaria os impactos das sanções econômicas unilaterais, especialmente em um contexto no qual a Rússia enfrenta restrições impostas por países ocidentais. Contudo, essa proposta contém desafios tanto técnicos quanto conceituais, sendo tida como uma solução que nasceria obsoleta diante do avanço das criptomoedas e de tecnologias de blockchain, que oferecem soluções descentralizadas e independentes de governos.
Além disso, o sucesso de um sistema de pagamento alternativo depende da confiança e adesão de seus usuários, e, no caso do Brics, a heterogeneidade econômica e os desafios políticos tornam difícil estabelecer padrões comuns que despertem esse pilar. Sem essa base, qualquer iniciativa nesse campo tende a fracassar e ter impacto limitado.
Em suma, a presidência do Brasil no Brics em 2025 não desperta expectativas auspiciosas: desafios estruturais e divergências fundamentais entre os objetivos do bloco e as práticas de seus países-membros dificultam a efetividade das iniciativas. Diante de um mundo marcado por polarizações e avanços tecnológicos acelerados, o Brics precisará equilibrar suas ambições com a realidade de suas limitações.
Artigo publicado originalmente na Exame em 08/01/2025