Artigos | 19/04/2023
Pedro Bertuol, artigo publicado no Boletim da Liberdade em 3/3/2022
O psiquiatra britânico Anthony Daniels – que escreve sob o pseudônimo de Theodoro Dalrymple – já disse que a ameaça à liberdade de expressão é inerente não apenas aos governos, mas também a nossos corações. O estado atual do debate público, principalmente nas redes sociais, parece infelizmente confirmar essa hipótese. É verdade que não se trata propriamente de uma novidade. No século XIX, John Stuart Mill já alertava para os perigos da “tirania social”, isto é, da tendência da sociedade de impor uma visão dominante, a ponto de sufocar o desenvolvimento de individualidades e a expressão de opiniões dissidentes. As tecnologias do século XXI apenas potencializariam o fenômeno.
Já se tornou regra, nas discussões em 280 caracteres, que a reação imediata a uma opinião da qual se discorda seja a tentativa de cancelar, bloquear e expulsar do debate público quem a proferiu, em vez da análise do argumento em si e da contraposição de ideias. A consideração do outro como interlocutor legítimo cedeu espaço a sua qualificação como inimigo a ser combatido. Mathieu Bock-Côté sintetiza esse cenário afirmando que a aspiração de que o debate público obedeça às regras da controvérsia respeitosa e da confrontação rigorosa dos argumentos “parece corresponder cada vez menos à maneira como se desenrolam as discórdias públicas atuais”. Seu diagnóstico é preciso quando identifica que o debate público hoje é menos contraditório e mais pedagógico: “Ele aponta em certa direção, fixa um horizonte, anuncia de antemão a boa resposta, à qual os cidadãos esclarecidos devem aliar-se”. Assim, há assuntos que parecem definitivamente resolvidos e já não admitem o contraditório, por mais complexos e multifacetados que sejam. Em resumo, está cada vez mais difícil discordar – o que não deixa de ser paradoxal em uma sociedade com tecnologias que vieram para dar voz a todos.
Não há dúvida de que saímos perdendo com um ambiente hostil à livre manifestação e troca de ideias, no qual as pessoas se sintam intimidadas de expressar suas opiniões. Como bem definiu Jordan Peterson, a liberdade de expressão não é somente mais um valor, e sim um mecanismo pelo qual formulamos os problemas em nossa sociedade, para chegarmos a soluções. Por isso, suprimir a liberdade de expressão significa, em última análise, tolher a própria capacidade de articulação do pensamento. Cada vez mais enfrentaremos desafios complexos, cujas soluções não são simples nem óbvias e demandam intenso diálogo, entre pessoas que pensam diferente, para serem alcançadas. Se quisermos ter sucesso nessa empreitada, precisamos cultivar um espaço público que permita a discussão e a discordância civilizadas, para que as melhores ideias venham à tona e possam prevalecer.
*Pedro Bertuol é associado ao IEE.
Foto: Mitchell Haindfield