Keynes x Hayek: e se a briga fosse hoje?

Artigos | 04/02/2025

Matheus Gonzalez, Head de Wealth Management na Liberta Investimentos e associado do IEE

John Maynard Keynes e Friedrich Hayek foram dois economistas cujas visões antagônicas moldaram o pensamento econômico do século XX. Suas ideias influenciaram diretamente políticas adotadas por governos ao redor do mundo e continuam a ser debatidas até hoje.

Keynes teve um papel relevante na elaboração do Tratado de Versalhes (1919), ao alertar sobre as consequências econômicas das pesadas indenizações impostas à Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Em As Consequências Econômicas da Paz (1919), ele previu que tais medidas levariam à recessão, hiperinflação e instabilidade política e poderiam potencialmente alimentar o surgimento de movimentos radicais – uma previsão que, em grande parte, se concretizou.

Pouco mais de uma década depois, diante da Grande Depressão, Keynes voltou ao centro do debate econômico. Em 1933, enviou uma carta ao recém-eleito presidente dos EUA, Franklin D. Roosevelt, propondo um caminho para a recuperação. Segundo ele, a crise era resultado de uma demanda agregada insuficiente, e caberia ao Estado atuar como guia no caminho da retomada econômica.

Para isso, sugeria três medidas principais: (i) estímulo ao consumo por meio do gasto público financiado por endividamento, sem aumento imediato de impostos; (ii) crédito barato e abundante, viabilizado pela redução das taxas de juros de longo prazo; e (iii) uma política monetária expansionista, para incentivar investimentos e empregos. Esses conceitos foram aprofundados em sua obra mais influente, The General Theory of Employment, Interest and Money (1936).

Por outro lado, Friedrich Hayek, um dos principais expoentes da Escola Austríaca de Economia, via nas ideias de Keynes uma ameaça à liberdade individual. Para ele, crises econômicas são causadas não pela falta de demanda agregada, mas pelas distorções criadas pelo próprio Estado, seja por meio da manipulação das taxas de juros para incentivar o crédito, seja pelo aumento contínuo dos gastos públicos, resultando em déficits crescentes e inflação elevada. Em Preços e Produção (1931) e O Caminho da Servidão (1944), Hayek argumenta que uma economia excessivamente dependente do Estado não apenas sufoca a livre-iniciativa, como também pode levar à servidão e ao declínio da prosperidade.

As ideias de Keynes acabaram prevalecendo. Roosevelt implementou seu programa de estímulo econômico, o New Deal, e foi reeleito por mais três mandatos, consolidando uma era de expansão do papel do governo na economia. Antes da Grande Depressão, os gastos do governo americano representavam cerca de 3% do PIB, mas, ao final de sua administração, em 1945, ultrapassavam 40% do PIB – um aumento também influenciado pela Segunda Guerra Mundial. Seu sucessor, Harry Truman, que foi vice-presidente em seu último mandato, reduziu os gastos para cerca de 10% do PIB, mas o Estado nunca mais voltou aos níveis anteriores.

Desde então, os Estados ficaram dependentes de altos gastos públicos, tornando esse um dos grandes desafios fiscais globais. Atualmente, o governo dos EUA consome cerca de 30% do PIB, enquanto no Brasil esse percentual chega a 48%. A França lidera com 57% do PIB, consolidando-se como um dos Estados mais intervencionistas do mundo.

Para sustentar esse nível de consumo estatal, há basicamente duas opções: aumentar impostos ou elevar o endividamento público, deixando a conta para as futuras gerações. O déficit

orçamentário dos EUA no ano fiscal encerrado em setembro de 2024 foi de US$ 1,8 trilhão (6,4% do PIB), superando o déficit de 2023, que foi de US$ 1,7 trilhão (6,3% do PIB). No Brasil, o déficit nominal do governo central, incluindo os juros da dívida, alcançou R$ 900 bilhões em 2024 (7,63% do PIB), levemente acima dos R$ 879 bilhões (8,03% do PIB) registrados em 2023.

O consumo estatal compete diretamente com o das famílias e empresas, distorcendo mercados e pressionando a inflação. Diante desse cenário, cabe uma provocação: se Keynes estivesse vivo, qual seria o teor da carta que enviaria a Donald Trump em seu segundo mandato? Sua teoria sugere que, em um ambiente sem recessão, a recomendação seria reduzir gastos públicos. No entanto, a prática tem demonstrado que a política econômica se distancia frequentemente dos princípios acadêmicos.

Por fim, uma dose de otimismo: resta a esperança de que o Departamento de Eficiência do Governo (Doge) possa reduzir desperdícios e tornar o Estado mais leve. Como consequência, haverá maior agilidade institucional, ainda mais se novas ferramentas forem implementadas, com destaque para a tecnologia de inteligência artificial. Dificilmente haverá dúvidas sobre a capacidade de entrega do Doge, uma vez que estará sob o comando de alguém que já deu ré em um foguete: Elon Musk.

 

Artigo publicado originalmente na Exame em 04/02/2025

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