Artigos | 11/07/2024
Hugo Muller, Diretor Financeiro do IEE
Nos últimos meses, muito se discutiu sobre a desvalorização do real e os impactos do cenário político brasileiro nesse movimento. Assim como tudo em nossas vidas, estamos dispostos a pagar mais por aquilo que nos traz segurança, em cujos resultados e efetividade confiamos. Quando compramos um imóvel, a estabilidade da construtora interfere no preço; se estamos comprando um celular, o produto que se mantém atual e funcional por mais tempo tem um valor maior. No mundo das finanças e da economia, o mesmo racional é válido. O câmbio é um reflexo da situação macroeconômica, monetária e fiscal de um país, é um importante indicador da confiança na saúde de longo prazo da moeda utilizada naquele território.
Os efeitos cambiais da política fiscal brasileira são evidentes. O governo vem gastando muito, mais do que a sua capacidade de pagamento. Toda conta gerada deve ser paga em algum momento, ou seja, teremos um aumento de endividamento e/ou um aumento de impostos. Ambos os reflexos do descontrole orçamentário têm um limite. Se o cenário se deteriora, a única saída é um aumento na emissão de moeda, gerando um custo inflacionário para o país e desvalorizando o real. Nesse contexto, o papel de um banco central autônomo é o de controlar os efeitos monetários de uma política fiscal insuficiente, o que tem sido feito consistentemente, e até isso tem sido questionado pelo governo federal. Além disso, a alteração no modus operandi do Bacen está no radar, com a mudança do seu presidente no ano que vem e o risco acoplado de ser alguém subserviente ao governo, ou seja, mais político do que técnico.
Assim como quando compramos uma casa ou um smartphone, expectativas são criadas, e elas interferem no preço. A baixíssima segurança que vem sendo passada pelos nossos governantes interfere no modo como o mercado está se movimentando em relação à alocação de capital. Importante mencionar que, ao contrário do que muitos imaginam, o mercado não é uma figura mística que mexe nos preços, ele é um conjunto de pessoas e organizações comprando, vendendo e se movimentando, com base em suas contas matemáticas e expectativas. Quando há uma alta no dólar, o movimento reflete o fato de que muitos brasileiros estão levando o seu dinheiro para o exterior e os investidores internacionais não têm deixado o seu capital no Brasil. As consequências disso definitivamente não são positivas para o povo.
A conta da inflação e do aumento no preço do dólar é paga majoritariamente pela população, com o aumento do preço dos alimentos, dos bens de consumo e do custo de vida no geral. Além do que, com investimentos reduzidos, menos empregos são gerados. Às vezes, parece que inseguranças governamentais ou gastos demasiados e ineficientes não deveriam ter impacto na nossa vida, mas aquele é o nosso governo, é o nosso o dinheiro. Responsabilidade gera segurança, descontrole gera insegurança, e a escalada da precificação do dólar vista recentemente é só o reflexo de todo esse descaso estatal. Por sorte, mentes mais técnicas ou pragmáticas aconselharam o presidente, e ele parou, por ora, com os ataques ao Bacen e ao mercado. Pelo país, espero que seja uma decisão duradoura.
Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio em 11/07/2024