Crise dos Poderes e desoneração da folha

Artigos | 16/01/2024

Victoria Werner De Nadal, advogada e associada do IEE

A desoneração da folha de pagamentos é um incentivo tributário que permite às empresas de determinados setores o pagamento da contribuição previdenciária sobre a receita bruta e não sobre a folha de pagamentos. Implantada há mais de uma década, a desoneração teve sucessivas prorrogações, sendo a última com vencimento em 31 de dezembro de 2023. Diante disso, foi proposto o Projeto de Lei 33/2023, o qual prorrogava o incentivo fiscal por mais quatro anos.

Não pretendo entrar no mérito da política pública em si, mas sim no que sucedeu essa proposição legislativa: mais um marco para a crise da separação dos poderes no Brasil. Isso porque, tendo o presidente da República vetado integralmente o referido projeto de lei, o veto foi derrubado pelo Congresso em 14 de dezembro do ano passado, conforme prerrogativa que lhe é garantida pelo artigo 66, § 4º, da Constituição Federal, tendo sido promulgada a Lei nº 14.784/2023.

Ocorre que, inconformado com a decisão legislativa, no apagar das luzes de 2023 o governo federal publicou a Medida Provisória nº 1.202/2023, que antecipa o fim da desoneração da folha de pagamentos e prevê restrições à sua utilização. Além da publicação da medida provisória sem a presença dos requisitos estabelecidos para tanto (relevância e urgência), a atitude do governo federal é mais um recado ao Poder Legislativo de que, a despeito do que prevê a Constituição, no Brasil as competências de cada poder vêm sendo vistas como "relativas".

Verifica-se uma queda de braço entre os Poderes, que seria salutar para o Estado de Direito. Afinal, a divisão de poderes, com os chamados pesos e contrapesos, é essencial à limitação do poder de nossos governantes, à preservação da liberdade e ao respeito aos direitos individuais das pessoas.

O problema é que, em nosso país, as regras do jogo não estão sendo observadas, e o Legislativo vem perdendo a maioria das partidas ultimamente, com outros poderes imiscuindo-se indevidamente em suas devidas atividades. Como escreveu Montesquieu (1689-1755), estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou um mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do povo, cumulasse o exercício de todos os poderes.

 

Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio em 15/01/2024

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