Artigos | 18/04/2023
Victoria Jardim, Presidente do IEE
Clássicos são aqueles que, com o passar dos anos, deixam de ser um retrato de sua época e conectam-se com os leitores por serem reflexo da própria essência humana e dos problemas transgeracionais. Esse é o caso de Alice no País das Maravilhas, que desde 1865 toca corações e mentes de crianças e adultos. Por seguir a lógica do absurdo, abre o leque para uma infinidade de interpretações. Não à toa, Alice e sua obra servirão como pano de fundo para o 36º Fórum da Liberdade, sob o subtítulo de “País das Liberdades”.
Você já parou para ler a obra depois de adulto? Se o fizer, e se permitir, realizará uma série de conexões com os problemas do nosso país. Ao entrar na toca do coelho, guiada por sua curiosidade, Alice vai em busca do mais belo jardim que já viu. O brasileiro, assim como Alice em seu diálogo com a lagarta, parece sofrer de uma crise de identidade. Durante sua busca por um país melhor, oscila entre se diminuir toda vez que bate a síndrome do vira-lata e se agigantar em rompantes de confiança oriundos da velha esperança de que o Brasil seja o país do futuro e o Cristo Redentor vá, finalmente, decolar.
O brasileiro também está tão perdido quanto a menina, que, ao perguntar para o Gato de Cheshire para onde deveria ir, recebeu como resposta que, para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve. Enquanto não tivermos uma base mínima de princípios e valores básicos de respeito à vida, à propriedade, às liberdades individuais e à livre-iniciativa, pouco importa se vamos pela esquerda ou pela direita, se vamos encontrar a Lebre de Março ou o Chapeleiro Maluco, pois, no final do dia, são todos políticos, ops, malucos, como alertou o gato.
Depois de tanto se perder pelo caminho, Alice finalmente chega ao tão sonhado jardim de flores. Ela só não esperava encontrar a Rainha de Copas, para quem a solução de qualquer problema se resume a cortar a cabeça daqueles que a contrapõem. Ao menos a rainha deixou Alice jogar croquet. O único problema é que as regras do jogo mudavam a cada minuto. Se Alice fosse brasileira, teria se saído melhor. Aqui, recentemente, nos habituamos a ter a liberdade de expressão tolhida, as redes sociais cortadas e o Estado de direito desrespeitado. Falta só definir quem é a Rainha de Copas no cenário brasileiro. Mas essa interpretação deixarei para a sua imaginação, pois, sabe-se lá, vai que me cortem a cabeça?