Artigos | 22/02/2024
Paola Coser Magnani, Vice-presidente do IEE
Sigmund Freud já alertava, no ensaio "O Mal-Estar na Civilização", sobre o perigo da miséria psicológica da massa: "Tal perigo ameaça sobretudo quando a ligação social é estabelecida principalmente pela identificação dos membros entre si, e as individualidades que podem liderar não adquirem a importância que lhes deveria caber na formação da massa".
Sendo assim, há sinais de alta periculosidade em nossa sociedade hiperconectada. Como alardeado, as redes sociais possibilitaram que as pessoas dessem voz aos seus pensamentos e os espalhassem pelos seus canais. Porém, é claro que não temos tempo hábil para sermos especialistas em tudo que chega até nós como informação ou fake news. Caso não haja conhecimento do assunto ou discernimento sobre o que é verdade, não deveria o leitor ter a humildade de um aprendiz? Seria interessante, desde que não houvesse intolerância ao posicionamento ponderado. Pois desde o primeiro segundo você é incentivado a se posicionar, e, sem base, o faz seguindo opiniões alheias, tendenciosamente aquelas da sua bolha visível. O especialista em Oriente Médio, em déficit fiscal e em atuação do VAR é diplomado em um minuto. E azar de quem está olhando os comentários tenebrosos. A ciência vale para a vacina, mas se me convém não vale para a economia.
Desaprendemos a pensar individualmente. Antes esperássemos que uma famosa cientista política expusesse seu ponto de vista para podermos ter argumentos, admitindo nosso desconhecimento no assunto. As manchetes são lidas, mas não o artigo completo. Será que ainda sabemos pensar sozinhos?
Não, não sabemos. A bolha pensa por nós. Resultado disso é que nasceu uma necessidade social de enquadrar cada ser humano em uma caixinha, pois claramente isso facilita o pré-conceito sobre o outro pela bolha. Assim, há uma incrível dificuldade de tolerar pessoas com posições ponderadas em qualquer debate hoje. Como entender algo que não leva um rótulo definido? Ou você é totalmente a favor ou é completamente contra.
Como consequência dessa coerção de pensamento padronizado, as opiniões sem base, os discursos de ódio e o fanatismo ganharam protagonismo. Buscar entender e respeitar a opinião de cada um é tempo perdido. Desaprendemos que, para ouvir opiniões, o primeiro passo é respeitar o próximo, seja ele quem for.
O fanatismo cega e aniquila não só a ponderação, como também a coerência. O que nos leva à hipocrisia. Como pode uma pessoa dizer que defende a liberdade de expressão e comemorar o cancelamento de uma página?
Antes de expressar o ódio pelo próximo, deveríamos revisitar nossos princípios éticos e morais. Você sabe quais são os seus? O mínimo que esperamos de pessoas conscientes e evoluídas é saber que somos grandes massas heterogêneas de pensamentos que não cabem em apenas uma caixinha.
Artigo publicado originalmente no Jornal do Comércio em 22/02/2024