Artigos | 19/04/2023
Gabriel Picavêa Torres, presidente do IEE
De tão arraigadas em nossas tradições, a tolerância e a cordialidade são consideradas por muitos historiadores como parte do “mito fundador” do Brasil. Não deixa de ser uma curiosidade, então, que, em nosso país, sejam discutidos temas como o do 35º Fórum da Liberdade, realizado no início desta semana: “Você é livre para discordar?”.
Importantíssimo, o debate em torno da liberdade de expressão se tornou uma imposição de nossos tempos, ainda que pareça ser contraditório diante do que sempre foi tão característico dos brasileiros.
Se, em tempos e hábitos nada remotos, carolas e libertinos pulavam o mesmo Carnaval, descendentes de árabes e judeus circulavam pelos mesmos espaços, templos religiosos eram construídos a poucos metros de distância, hoje vemos ganhar espaço a intolerância com o diverso, e os debates têm sido cada vez mais virulentos.
Por que a dificuldade de conviver com ideias diferentes? Tomo a liberdade de sugerir uma explicação, ainda que incompleta: o problema passa pela falta de confiança.
Temos nos especializado há anos em estimular a desconfiança entre nós. No afã de garantir que nada saia do controle, ampliamos os mecanismos de vigilância e criamos incentivos para que as pessoas com quem nos relacionamos e trabalhamos desconfiem de nós e queiram… sair do nosso controle. A falta de confiança apenas alimenta mais desconfiança.
É a partir da nossa capacidade de alavancar e construir a confiança que promovemos a liberdade. Se confiamos, há menos burocracia e mecanismos de controle, mais tempo para aproveitar e produzir, mais prosperidade e, portanto, mais felicidade.
Mas quem tem o papel de estimular a confiança? Quem tem esse desejo não o fará ao endossar pessoas que ofendem quem delas discorda. É papel dos líderes inspirar a confiança por meio do exemplo.
A sociedade livre e aberta que queremos começa com o exemplo que cada um de nós dá em família, grupo de amigos ou empresa. Se queremos inspirar a confiança para que as pessoas se sintam à vontade para dizer o que pensam, devemos começar confiando em dividir com elas o que pensamos.
A liberdade para discordar não começa pelo outro: ela começa por mim e por você. Comecemos pela confiança.
Agradeço ao Grupo RBS pela oportunidade de ocupar este espaço ao longo dos últimos 12 meses, e a todos os leitores que concordaram ou discordaram das minhas opiniões.
Artigo publicado originalmente no jornal Zero Hora no dia 13 de abril de 2022